Por uma
consciência negra e feminista
Por Jarid Arraes, cordelista,
escritora, autora do livro “As Lendas de Dandara“, diretora da Casa de Lua e
jornalista na Revista Fórum, onde também mantém a coluna Questão de Gênero.
Devido ao
dia 20 deste mês, novembro é considerado o mês da consciência negra. Esse
período é uma oportunidade para lembrar Zumbi dos Palmares, líder do quilombo
de Palmares e importante guerreiro na luta contra a escravidão no período
colonial. No entanto, embora Zumbi seja uma importante figura histórica –
sobretudo para a população negra no Brasil -, ainda nos falta recordar os nomes
femininos que também resistiram como lideranças de quilombos, revoltas e
comunidades negras na luta contra o racismo e a escravidão. Heroínas como
Dandara dos Palmares, Tereza de Benguela, Aqualtune e Luisa Mahin precisam ser
trazidas à tona para que suas vidas e feitos, assim como os de Zumbi, sejam
devidamente reconhecidos.
Em uma
sociedade ainda pautada no racismo e no machismo, histórias como as dessas
guerreiras são raramente lembradas ou sequer mencionadas. E enquanto essas
mulheres tão notáveis e com tamanha importância dificilmente recebem o devido
reconhecimento histórico, as mulheres negras contemporâneas encontram
dificuldade equivalente para conseguirem qualquer reconhecimento nas mais
diversas áreas.
Diversos
índices e pesquisas sociais no Brasil mostram, com recorrência, evidências de
que as mulheres negras são as pessoas que vivem nos níveis mais altos de
violência e violação de direitos. A desigualdade salarial entre homens e
mulheres, quando analisada sob a perspectiva racial, se torna também uma
desigualdade salarial entre mulheres brancas e negras e, entre as vítimas de
feminicídio, as negras também são maioria. Quando o tema é a ilegalidade do
aborto, as consequências da clandestinidade também são mais pesadas para as
mulheres negras – que compõem estatisticamente as camadas sociais mais pobres
e, por isso, não têm as mesmas oportunidades que as mulheres brancas de
interromper a gestação em outro país ou em clínicas particulares.
É preciso compreender que
não há consciência negra sem combate ao machismo, assim como não há igualdade
de gênero sem combate ao racismo.
As
mulheres negras não têm escolha sobre a possibilidade de sofrerem um ou outro
tipo de discriminação; ambas as violências se repetem de maneira interligada,
em moldes direcionados exclusivamente e especificamente às mulheres negras.
Algumas
reivindicações feministas clássicas, como a luta pelo direito de trabalhar fora
de casa ou o combate aos estereótipos que representam as mulheres como o sexo
frágil, exemplificam as implicações dessa questão: enquanto as mulheres brancas
reivindicavam o mercado de trabalho, as mulheres negras vinham de um longo
histórico de escravidão e trabalho braçal pesado. Também por isso, cabe lembrar
que às mulheres negras nunca coube a ideia de gênero mais frágil ou mais
delicado.
Ainda
hoje, há muitas diferenças entre as questões das mulheres brancas e das negras.
De maneira similar, por mais que estejam unidos na luta contra o racismo,
há certos tipos de violência que os homens negros não enfrentam. Infelizmente,
tanto nos movimentos de mulheres quanto nos movimentos negros, as
mulheres negras ainda lutam para que suas necessidades sejam ouvidas e
representadas. À exemplo das guerreiras negras na história do Brasil, nem
sempre a dedicação à luta é o suficiente para que suas demandas sejam atendidas
ou contempladas.
Por isso,
o mês de Novembro precisa ser cada vez mais o mês da consciência negra
feminista; o mês de Zumbi, mas também de Dandara. Para que as mulheres negras
do passado e do presente nunca mais sejam esquecidas.
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