Consciência Negra: Por quê?
Pra quê? É de comer?
Em algum momento da sua vida de usuário de redes sociais você deve ter
se deparado com aquele cartaz de dizeres capciosos: “não precisamos de um dia
de consciência negra, mas de 365 dias de consciência humana”. Sob um ponto de
vista simplista talvez você tenha pensado que aquilo fazia sentido, certo? Ora,
uma vez que todas as raças se unissem em prol do bem geral, não seria
necessário colorizar a tal consciência.
Por Gabriela
Moura Do Insectashoes
Ledo engano. Mas antes de soltar um “EITA!” ou o famoso “é só minha
opinião”, por que não perder uns minutos do seu dia fazendo pequenas inserções
na cultura negra e entender o que é essa tal consciência?
Essa imagem idílica de humanidade unida e homogênea parece ter o único
propósito de apagar a história real do Brasil. Basta analisarmos os discursos:
“Consciência
negra? Não precisa”.
“Cotas
raciais? Não precisa”.
“Não sou
racista, os funcionários da minha empresa são negros e até indígenas” – essa é
a minha preferida.
Por que questiona-se políticas públicas de inclusão social, mas não se
dá o mesmo foco de indignação às causas dos problemas que tornaram necessárias
tais ações?
Por que falar de Consciência Negra? Muitos por quês que precisam de um
certo tempo para digerir respostas. Spoiler: requer estudo, paciência e boa
vontade.
O mito da democracia racial foi derrubado há tempos. Mas, antes de
erguermos a bandeira da “diversidade” só pra fazer bonito pro nosso próprio
ego, vamos tentar compreender o que isso representa de verdade. O Brasil viveu
séculos de escravidão – mais precisamente, 358 anos -, um período marcado por
violências que deixaram suas marcas até hoje. Você consegue contar quantas
gerações existiram neste período? O pós-abolição não veio acompanhado de ações
sociais para a inserção dos então recém-libertos na sociedade. A realidade foi:
políticas de embranquecimento da população, sob alegações que taxavam os negros
de seres primitivos, menos inteligentes e mais propensos a doenças e pouca ou
quase nenhuma preocupação em revisar a sociedade que, até então, vivia com
tranquilidade um sistema onde servidão forçada era algo natural, aceitável ou
mesmo incentivada, fomentada pelo status que a posse de escravos oferecia aos
seus senhores. E isso falando apenas do básico do cenário catastrófico ao quais
os negros foram submetidos.
Ou seja, uma vez “livres” (assim, com muitas aspas), os escravos tinham
todo um mundo a ser desbravado ao lado de suas famílias, finalmente gozando de
todos os direitos sociais que, por três séculos, foram negados. Tudo ficaria
bem a partir de agora, né?
Não, exatamente. As questões sociais enfrentadas, principalmente pelos
mais pobres, estão todas interligadas. Desde um sistema educacional defasado,
até as já sabidas deficiências do sistema penal, passando por um mercado de
trabalho pouco inclusivo e o funil propositalmente imposto no acesso ao ensino
superior. Não é possível querer melhorar um sem olhar para o outro. É por isso
que tantas áreas de conhecimento são envolvidas na racionalização de meios para
diminuir o abismo entre negros e brancos no Brasil.
Você já fez o teste de verificar quantos negros existem em seu círculo
social, faculdade ou trabalho? Então, proponha-se a si mesmo esse exercício
diário. Os negros representam 53% da população brasileira, mas são a minoria em
espaços considerados “bons” e maioria em espaços considerados marginalizados.
Dica: resista a tentação de resumir tudo a meritocracia. Vá além.
O Dia da Consciência Negra vem para trazer à luz estas questões com uma
proposta: larguemos o conceito de culpa e abracemos o conceito de
responsabilidade. Não é ético, tampouco responsável, que se abra mão de
repensar as estratégias de enfrentamento ao racismo estrutural e a violência
contra a população.
“Aaaaah mas
isso é segregação”
Essa é outra falácia comum na oposição dos debates raciais. Mas vamos
refletir a matemática básica: se ao branco não é negado o direito da
existência, se o branco não tem sua humanidade questionada, se ser branco é
considerado o “normal e padrão” social, e, de acordo com a nossa realidade, foi
criada uma hierarquia social ao longo da história, o que há de segregacionista
na luta pelos direitos de quem está na base dessa pirâmide?
Questionar uma sociedade racista nunca significou prejudicar pessoas
não-negras. O racismo é uma arma tão mortal e aceita, a ponto de os privilégios
concedidos por séculos aos brancos serem vistos como direitos inquestionáveis,
e a políticas que visam estender esses direitos aos negros são vistos como
privilégios – alô, onde está o privilégio em ser o povo que mais morre
violentamente ou o que menos ganha dinheiro?
Se você gostaria de entender como colaborar com a
causa negra, uma dica é entender as dinâmicas raciais brasileiras e buscar
coletivos e grupos de pessoas que se esforçam em diversas áreas para a nossa
sociedade ser mais igualitária. Não sabe por onde começar? Aqui vão algumas
dicas:
- A negação do Brasil - O negro nas telenovelas
- História da
resistência negra no Brasil
- Negros dizeres
- Dandaras: a força da mulher quilombola
- Raça humana – os bastidores das
cotas
Ter uma “consciência negra” faz parte da construção da famosa
“consciência humana”, que eu citei no início destes escritos. A negação dos
debates raciais são uma ferramenta potente de manutenção do status quo, e
quanto mais desapegado formos a velhos paradigmas, mais próximos estaremos de
novas soluções.
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