9 expressões populares com origens ligadas à
escravidão; e você nem imaginava
Certas
expressões populares se tornam de tal forma parte de nosso vocabulário e
repertório que é como se sempre tivessem existido. Dor de cotovelo,
chorar as pitangas, dar com os burros n’água, engolir um sapo ou salvo pelo
gongo, tudo é dito como se fosse a coisa mais natural e normal do mundo.
Mas se mesmo
as palavras mais corriqueiras possuem uma história e sua própria árvore
etimológica, naturalmente que toda e qualquer expressão popular, das mais
sábias e profundas às mais bestas e sem sentido, possuem uma origem, ora
curiosa e interessante, ora sombria e simbólica de um passado sinistro.
Pois muitas
das expressões que usamos no dia a dia, e que hoje comunicam somente seu
sentido funcional – aquilo que atualmente a frase “quer dizer” – são
originárias de um vergonhoso e longo período da história do Brasil: a
escravidão.
Ainda que os
sentidos originais tenham se diluído em algo trivial, essa origem permanece,
como em toda palavra ou frase comum, feito um DNA marcando nossa própria
história.
O Brasil foi
o país que mais recebeu escravos no mundo, e o último país independente do
continente americano a abolir a escravidão. Conhecer o sentido original
e a história de uma expressão é saber, afinal, o que é que estamos falando. Por
isso, essa seleção de nove expressões populares criadas durante o período da
escravidão no Brasil – uma época que faz parte de nosso passado, mas que possui
ainda forte influência sobre nossa realidade atual.
1. Tem
caroço nesse angu
A expressão, que significa que alguém estaria escondendo algo, tem sua
origem em um truque realizado pelos escravos para melhor se alimentarem. Se
muitas vezes o prato servido era composto exclusivamente de uma porção de angu
de fubá, a escrava que lhes servia por vezes conseguia dar um jeito de esconder
um pedaço de carne ou alguns torresmos embaixo do angu. A expressão nasceu do
comentário de um ou outro escravo a respeito de certo prato que lhe parecesse
suspeito.
2. A dar com
pau
“Pau” é um substantivo utilizado em algumas expressões brasileiras, e
tem sua origem nos navios negreiros. Muitos negros capturados preferiam morrer
a serem escravizados e, durante a travessia da África para o Brasil, faziam
greve de fome. Para resolver a situação, foi criado então o “pau de comer”, uma
espécie de colher que era enfiada na boca dessas pessoas aprisionadas por onde
se jogava a comida até alimentá-los enfim. A
população incorporou a expressão.
A única foto que se tem notícia de um navio negreiro brasileiro, tirada
por Marc Ferrez
3. Disputar
a nega
Essa expressão, que significa disputar mais uma partida de qualquer
jogo para desempatá-lo, possui sua origem não só na escravidão, como também na
misoginia e no estupro (o que espanta que até hoje seja utilizada com tanta naturalidade).
Sua história é simples e intuitiva: quase sempre, quando os senhores do passado
jogavam algum esporte ou jogo, o prêmio era uma escrava negra.
Escrava trabalhando mesmo que com o filho a tiracolo
4. Nas coxas
A origem da expressão, que quer dizer algo mal feito, realizado sem
capricho, é imprecisa, e não há consenso sobre se ela viria de fato do período
da escravidão. De todo modo, a vertente mais popular afirma que a expressão
viria do hábito dos escravos moldarem as telhas em suas coxas que, por
possuírem tamanhos e formatos diferentes, acabavam irregulares e mal
encaixadas.
5. Espírito
de porco
Ainda que a origem da expressão venha da injusta má fama associada ao
animal, por uma ideia de falta de higiene, sujeira e impureza, tal má fama é
oriunda de princípios religiosos. Durante o período escravocrata, os escravos
se recusavam e eram obrigados a matar o animal, para que servisse de alimento.
A recusa vinha porque se acreditava que o espírito do animal abatido
permaneceria no corpo de quem o matasse pelo resto de sua vida e, para
complementar tal crença, a incrível semelhança que o choro do porco possui com
um lamento humano tornava o ritual ainda mais assustador.
6. Para
inglês ver
Essa expressão tem sua origem na escravidão, e também no mau hábito
ainda atual brasileiro de aprovar leis que não “pegam” (que ninguém cumpre e
nem é punido por isso). Em 1830, a Inglaterra exigiu que o Brasil criasse um
esforço para acabar com o tráfico de escravos, e impusesse enfim leis que
coibissem tal prática. O Brasil acatou a exigência inglesa, mas as autoridades
daqui sabiam que tal lei simplesmente não seria cumprida – eram leis existentes
somente em um papel, “para inglês ver”.
7. Bucho
Cheio ou Encher o bucho
Expressão mais comum em Minas, eram usadas tanto pelos escravos quanto
por seus exploradores, evidentemente que com outra conotação da que se usa
hoje. Atualmente significando estar bem alimentado, de barriga cheia, na época
significava a obrigação que os escravos que trabalhavam nas minas de ouro
possuíam de preencher com ouro um buraco na parede, conhecido como “bucho”,
para só então receber sua tigela de comida.
Escravos trabalhando em Minas, em rara foto da época
8. Meia
tigela
A partir da expressão anterior, a história segue, dando origem a
expressão “meia tigela”, que significa algo sem valor, medíocre, desimportante.
Quando o escravo não conseguia preencher o “bucho” da mina com ouro, ele só
recebia metade de uma tigela de comida. Muitas vezes, o escravo que com
frequência não conseguia alcançar essa “meta” ganhava esse apelido. Tais
hábitos não eram, porém, restritos às minas, e a punição retirando-se parte da
comida era comum na maioria das obrigações dos escravos.
9. Lavei a
égua
Por fim, a expressão “lavar a égua”, que quer dizer aproveitar, se dar
bem, se redimir em algo, vem também da exploração do ouro, quando os escravos
mais corajosos tentavam esconder algumas pepitas debaixo da crina do animal, ou
esfregavam ouro em pó em sua pele. Depois pediam para lavar o animal e, com
isso, recuperar o ouro escondido para, quem sabe, comprar sua própria
liberdade. Os que eram descobertos, porém, poderiam ser açoitados até a morte.
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