Uma criança de dez anos desistiu de continuar na escola de que tanto
gostava por causa dos nossos filhos. Dá para acreditar nisso? Nossos filhos
queridos e sensacionais, filhos de pessoas tão bacanas e sensatas como nós…
Incrível, não?
Por Andrea Solberg Do Paratodos
Pois é, ela se cansou de ter de lidar todo dia com as maldades dos
colegas. Das brincadeiras idiotas de colocar coisas no cabelo dela, de ouvir
acusarem-na falsamente de ter piolho, de a empurrarem quando houvesse a chance,
seja na escada, seja no bebedouro, de ser sempre a última a ser escolhida e
aturar aquele olhar de resignado do “azarado” que teve de ficar com ela no
grupo na frente dos outros. De aproveitarem uma brincadeira ou outra para
forçarem a mão com ela e fazerem uma maldade extra.
Ela se tornou forte, descobriu formas de lidar com tudo isso. Deixou de
brincar com algumas amigas na escola para que estas não sofressem
retaliação da turma. Estava já acostumada com isso. Ou quase, pelo visto.
E nós pais deixamos isso acontecer. Simplesmente deixamos. Não fizemos
nada para tentar evitar este constrangimento. Não estou aqui para falar sobre o
caso, para colher versões, apontar o dedo ou fazer caça aos bruxos ou
bruxinhas, até porque a família com certeza não gostaria do assunto em roda e
porque as versões realmente não interessam. O fato está aí. Ela cansou.
Jogou a toalha.
Vale lembrar que não estamos aqui falando de criancinhas de dois anos
que mordem quando estão com raiva, ou com seis, que também ainda não sabem
discernir o certo do errado e não controlam ainda os instintos naturais de uma
certa maldade. Nossos filhos estão com dez anos. Sabem exatamente do que
estamos falando e têm total capacidade de se posicionar. Se não aprenderem
agora, pode ser que não aprendam em tempo para o próximo encontro de torcidas
do Corinthians e do Palmeiras, ou para as próximas eleições.
Será que é isso o que queremos ensinar para os nossos filhos? Se é diferente
da gente, se não atende a um determinado padrão, então, simplesmente deixamos
de lado? Fingimos que não existe, não nos sensibilizamos, fazemos vista
grossa, não interpelamos, não defendemos e deixamos que a própria vida se
encarregue de tirá-los de perto da gente? Mais ou menos assim como o povo
alemão se viu fazendo 80 anos atrás, também sem perceber, sem querer. No
início eram “só” os ciganos, depois “só” os negros, “só” mais os homossexuais,
“só” os judeus…. Quando se deram conta, já era qualquer um que pensasse
diferente de alguns outros.
Até onde a gente deixa isso acontecer? Quem será o próximo? Nos livramos
da diferente da vez, da que decidimos achar difícil de conviver. Que
tal elegermos agora os altos? Ou as frescas? Ou os que não gostam de sorvete de
limão?
Não tenho a menor ideia da teoria de como se ensina empatia, respeito,
responsabilidade, coragem, tamanho de mundo ou diversidade de interesses, mas
tenho certeza que nós, como grupo, não passamos nessa prova. Deixamos a desejar
e, se não nos forçarmos a parar para pensar e discutir com nossos pares em
casa, não teremos aprendido nada com o que houve.
Tenho certeza de que não adianta sentar com nossos filhos numa conversa
toda cheia de sensibilidade e pieguice, ou mesmo madura, cheia de frases
prontas. Não é assim que vão perceber o que fizeram ou deixaram de fazer. E
pode ser que alguns tenham razões totalmente legítimas, mas que ainda assim não
contribuíram para evitar o fato. Talvez um “cascudo” bem dado
funcione melhor: “perdeu playboy, perdeu a chance de fazer a diferença na vida
de alguém”. Não saberemos a razão exata de estarmos dando o “cascudo”, mas
eles rapidamente pensarão em um episódio em que poderiam ter agido
diferentemente. Uma parcela de culpa auto infligida não vai fazer mal a
ninguém. Ou, se pelo menos deixarmos de acreditar quando nossos anjinhos
responderem com cinismo e inocência total que não fizeram nada, não viram nada,
não sabem de nada, já vai ser alguma coisa.
Quem sabe com isso nossos filhos não terão mais chances de terem, e se
tornarem, melhores amigos?
Tenho certeza de que ela se sairá bem na vida, será uma mulher forte,
determinada, do bem, com sua cabeleira poderosa, preocupada com os outros. E
encontrará um par e amigos também valiosos. Já os nossos filhos, não sei.
Fiquei realmente triste com a saída dela. Não fiz por onde. Já me dei o
meu “cascudo“.
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