16 março 2012

O sonoro grito da natureza

19 de janeiro de 2012  - Por Regina Schöpke
 É claro que pode soar estranho que algumas pessoas deem tanta atenção ao bem-estar dos animais quando os próprios homens não se entendem, se matam e se escravizam. Aliás, costuma-se argumentar que se até hoje os seres humanos não conseguem respeitar nem a sua própria espécie, por que respeitariam as outras?
            Argumento irrefutável, sem dúvida. Mas, também é, com toda certeza, um argumento de má-fé, já que sua função é paralisar uma discussão que vai muito além da relação dos homens com os animais. Tal discussão termina (ou começa) no interior do próprio homem e de sua tirânica relação com a vida. Sim… Quem pode negar que a história humana tem sido marcada mais pela tirania do que pelo bom-senso de nossa tão falada racionalidade? Ódio, intolerância, preconceito, racismo, ambição, guerras sem fim…
             Parece que a vida não tem mesmo muito valor para o homem... Viver é o supremo bem de todo ser! E ser é estar no mundo! Nesse ponto, sob o aspecto da vida, todo ser é ser, homem ou animal, sem distinção. Ser não é pensar, nem é ter raciocínios mais elaborados. Ser é viver, é estar presente, é afetar e ser afetado, é fazer encontros, é estar no tempo do mundo. Daí porque nenhuma tirania é justificada, absolutamente nenhuma. É uma questão simples de poder, de indiferença e de desrespeito. Quem não se opõe a ela, portanto, está negando a si mesmo o direito de ser livre e de viver.
            Está na hora, portanto, de olharmos de frente para o que fazemos. Das duas uma: ou não existem direitos naturais à vida e à liberdade, como o homem tanto acredita e defende para si, ou tais direitos existem para todos que partilham conosco dessa exuberante existência. Eis o ponto onde deve começar a verdadeira discussão sobre os direitos dos animais! Eis o grande desafio que precisamos encarar: o da tirania (seja com a nossa espécie, seja com as outras)! Não podemos mais ficar na posição de ressentidos, nos fazendo de vítimas das circunstâncias. Está na hora de entendermos até que ponto também somos coniventes e cúmplices dessa tirania, seja por ignorância, seja por total desprezo à vida alheia.
             Sim… é, de fato, degradante. O homem fez da Terra uma enorme gaiola, onde todos os animais vivem escravizados, privados de sua liberdade de ir e vir, de constituir família, de compartilhar a vida com outros seres de sua espécie, enfim, de serem senhores de suas próprias vidas. Se temos o direito à liberdade, eles também têm. Negar isso é, como já dissemos, aceitar como natural a nossa própria escravidão.
          É certo que muitos poderão dizer que isso é uma ficção. Mas, que ideia não é uma ficção, uma criação humana? A questão, no entanto, é saber quais ficções servem à vida e quais estão a serviço da destruição. E, principalmente, saber de que lado o homem deseja ficar. Eu desejo ficar do lado da liberdade e do respeito a toda forma de vida. Afinal, já está mais do que na hora de pararmos de usar o discurso da superioridade para justificar nossos atos cruéis e nosso desprezo pela existência.
           Nem mesmo os animais que dizemos estimar, os cães e os gatos, escapam de um tratamento indigno. Também eles são mercadorias que colocamos à venda e que, muitas vezes, tratamos como bibelôs e brinquedinhos para nossa diversão e proteção. Daí porque basta que envelheçam para serem substituídos como uma roupa velha. Não satisfeitos, ainda usamos os animais como cobaias em laboratórios, não ligando a mínima para o sofrimento que lhes infligimos (afinal, é para o “nosso” progresso). Nos divertimos nas touradas, nos circos, zoológicos e caçadas. E chegamos a tal ponto de insensibilidade que usamos a pele dos animais apenas por um luxo, uma manifestação vulgar de status e riqueza (pele, essa, que é retirada enquanto eles ainda estão vivos e se debatendo de dor). Humano, demasiado humano… Nosso desrespeito pela vida e pelo sofrimento dos animais é tão ilimitado e irracional quanto a crença de que temos o privilégio sagrado de usar e de abusar da natureza.
          Trata-se de um jogo sujo, de uma trapaça, que não depõe em nada a favor de nossa inteligência e superioridade. Aprisionar os pássaros e furar seus olhos para que eles cantem melhor, não é, certamente, uma questão de sobrevivência. Assim como amontoar cães e gatos em gaiolas, como fazem certos restaurantes da China, para que eles sejam escolhidos pelos fregueses e mortos na hora, só se explica por uma brutalização ainda maior do homem, já que nem os animais que se tornaram nossos mais fiéis companheiros são poupados.
          Dizem que Leonardo Da Vinci teria dito que um dia se consideraria um crime, um assassinato, matar um animal. Esse dia ainda parece distante, mas hoje já existem menos dúvidas sobre os seus sentimentos e emoções. Aliás, Darwin estudou tais emoções e, mais do que isso, ele foi o primeiro cientista a desferir um golpe profundo em nossa arrogância ao mostrar, que nossa espécie evoluiu de outras inferiores e que somos apenas animais, ainda que muito inteligentes. Nesse caso, falar de “consciência animal” não é falar apenas de cães, gatos, porcos, bois ou patos, mas de todos nós, humanos ou não. Jaulas vazias! Só isso poderia libertar o homem de sua própria jaula e escravidão. Eis um sonoro grito da vida… Eis o sonoro grito da natureza!
Não é a mais forte das espécies que sobrevive, nem a mais inteligente. E sim aquela que melhor se adapta as mudanças.”
"Chegará o dia em que o Homem conhecerá o íntimo dos animais. Neste dia, um crime cometido contra um animal será considerado um crime contra a Humanidade".
Leonardo Da Vinci 
 

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